Aceitar o desafio de correr com uma das melhores equipes do mundo, a Columbia VidaRaid, já seria motivo suficiente para muita ansiedade. No entanto, esse seria também o meu retorno após a gravidez às provas de expedição e por isso, me questionei por alguns meses se seria mesmo capaz de dar conta desse time.
Brigar pela vitória e amamentar nas áreas de transição de
modalidade durante a prova, são coisas completamente antagônicas. Priorizar meu
filho em meio a competição poderia ser trágico para a nossa performance, mas
mesmo assim, minha vontade era grande e esse era um time dos sonhos! Acreditei
que daria certo.
Desde o início do ano fiz questão de deixar claro à equipe
quais seriam todas as nossas (Kilian e eu) necessidades durante a prova e me
abri emocionalmente dizendo o quanto essa experiência seria intensa e
desafiadora em muitos sentidos para mim.
Todos foram muito compreensivos e acreditaram na equipe o
que me deixou muito confortável e mais confiante.
Nos dias finais antes da viagem fiz um bom banco de leite
congelado, que levamos na mala para o Paraguai. Na mala também foi nosso braço
direito, amigo e agora babá adventure, o
Arnaldo Frazão.
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
A logística da prova estava relativamente simples e nos
organizamos facilmente para a largada. O mesmo não pude dizer da logística com
o Kili. Começando porque não pude congelar meu leite no freezer do primeiro
hotel que ficamos e todo ele descongelou. Por pouco não perdemos tudo e na
verdade é recomendado descartar e não congelar novamente, mas me vi sem outra
alternativa que não fosse tentar. Um amigo o levou para o freezer de sua casa e
depois pude congelar no segundo hotel que ficamos! Em todo caso, comprei um
pote de fórmula, comida em pó de bebê, caso o leite estivesse passado.
Também havíamos alugado um carro, mas perdemos o último
horário de retirada no final de semana e agora o Arnaldo teria que se virar e
ir sozinho com o bebê depois da largada!
A logística da prova estava realmente fácil perto dessa
outra...
Logo após a largada me bateu um sentimento de “o que que eu
estou fazendo aqui?!”. Me senti um pouco culpada, tipo a mãe desnaturada que
abandona o filho, mas estava tudo muito bem combinado com o Arnaldo e qualquer
coisa grave que acontecesse, o Kilian era prioridade.
Eu os veria uma vez ao dia para amamentar e movida a esse
encontro diário me motivei mantendo o foco e em boa sintonia com o time.
Todos estavam muito determinados e isso nos ajudou a não
perder tempo algum e sermos velozes durante todo o percurso.
Ao escurecer do primeiro dia havíamos deixado pra trás 11km
de canoagem, 7km de orientação a pé, mais 20km de canoagem e 42km de trekking
num total de 80km. No final do trekking de 42km encontrei pela primeira vez com
o Kili e ele mamou vorazmente meus dois peitos que estavam bem empedrados do
leite parado lá por muito tempo, foi um alívio!
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
Mais 45km de canoagem e esse trecho foi épico! Buscávamos o
Ponto de Controle 18 (PC18) que era uma ilhota a mais de 10km da costa
paraguaia no meio do Rio Paraná, haviam ondas e corrente nesse rio e apenas uma
referência no meio do trajeto que era uma bancada de areia com uma luz piscante
branca. Gui estava focado e não tirou o olho da bússola nem um segundo. As
estrelas também foram nossas guias naquele breu infinito. Foi emocionante ter
alcançado tão bem esse PC, parecia cena de filme de piratas achando o baú de
ouro depois de anos de busca. No nosso caso foram só algumas horas, mas depois
soubemos que muitas equipes tiveram problemas com esse PC18 e ele acabou sendo
cancelado para segurança da prova.
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
Mais 140km de bike onde tive muitos problemas no meu pneu
traseiro logo nos primeiros 10km e na sequência um trekking de 69km e previsão
de 24 horas para a primeira equipe.
Entramos na segunda noite no início desse trekking e como
planejado paramos a primeira vez para dormir durante uma hora, mas as noites
eram tão longas quanto os dias e antes do amanhecer precisamos de mais 15
minutos.
Com o raiar do terceiro dia já passávamos da metade da
expedição e tudo ia muito bem, comemos abacate, mamão, laranja e tangerina do
pé, um refresco para o sol que já torrava às 8 da manhã.
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
Gui e Nick continuavam gabaritando a orientação do percurso
enquanto Jon Ander nos entretinha com suas infinitas piadas e brincadeiras.
No meio da tarde finalizamos esse trekking e lá estava meu
pequeno! Com uma vantagem confortável diante da segunda equipe podia ficar mais
uns minutinhos com ele e percebi que o Arnaldo estava se saindo muito bem e
muita gente o distraía também. Eles estavam cheios de novos amigos!
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
Mais 35km de bike, 75km de canoagem e 41km de bike para o
final da prova. Por mais que o pior já tivesse passado, mais de 20 horas ainda
nos separavam da linha de chegada e muita coisa ainda podia acontecer.
Antes de partir para a bike de 35km compramos 16 empanadas
quentinhas que o Jon fez questão de carregar para nos poupar!
No início da terceira noite chegamos a área de transição
(AT) da canoagem de 75km onde dormimos por duas horas e seguimos rio abaixo.
Essa era nossa última noite e mesmo dormindo o sono nos bateu muito. Gui e eu
cantamos todo o nosso repertório, agora também com músicas infantis e teve
muita água na “cara” pra acordar e muita conversa.
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
No final desse trecho já sentíamos uma emoção, ainda que
contida, do nosso feito. Faltavam 41km de bike com uma tirolesa no meio.
Encontrei com o Kilian, nos abraçamos muito e dali a 4 horas nos
reencontraríamos para sempre!
O sol era forte e um vacilo poderia comprometer toda a nossa
prova, fomos cautelosos e paramos em todas as torneiras e rios que cruzamos
nesse trecho. Compramos din din (geladinho para nós paulistas) que servia de
refresco para a pele dentro da roupa e para hidratar.
Fogos de artificio anunciaram a nossa chegada, mas como o
Kilian não foi avisado caiu no choro de tão assustado. Nem meu colo deu conta
de acalmá-lo! Comemoramos muito emocionados e uma cadeira muito confortável nos
aguardava com uma bela pizza.
Sem pressa, pude amamentar e relaxar. Tudo havia passado e
de agora em diante voltava para a verdadeira aventura da minha vida que é ser
mãe.
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag
Foto: Wladimir Togumi - @adventuremag